Vida subterrânea
O metrô é a veia que atravessa toda Madrid. Disse uma brasileira sobre o mapa da rede metroviária, distribuído aos usuários ou à estrangeira que decidiu enviá-lo junto às cartas para seu país: “Parece um bordado colorido”. São mais de 150 estações interligadas, e isso significa não apenas que sempre há ao menos duas maneiras de chegar onde seja, mas que há centenas de acessos para um mundo não secreto. Ao entrar em alguma dessas tantas bocas de metrô somos agarrados por seus dentes afiados e salientes - degraus que nos levam até a vida subterrânea. Uma vida cinza como o céu de Madrid. Uma vida cheia de avisos, carrinhos de bebê, contadores de tempo, luz fosforescentes e velhos que se emudecem quando não há escadas rolantes.
O cotidiano do metrô ensina manobras circenses para disputar um assento e facilmente se esquecer do direito de idosos, mães com crianças de colo, grávidas. Com tantas pessoas estranhas ao lado, na frente, entrando e saindo, muitas se deslocam pela multidão com dois fones de ouvidos enterrados debaixo dos cabelos. Resulta difícil perguntar as horas ou comentar que dia difícil hoje, veja, o verão está chegando, àqueles solitários glóbulos de sangue.
As veias dos corpos fazem sempre o caminho de volta. Aquelas que atravessam Madrid vêm e vão, espalham-se, penetram e abandonam mil corações, cada bairro, cada rua e janela fechada contra o frio. Quem atravessa as veias que atravessam a cidade são os músicos, ávidos inimigos dos fones de ouvido. Eles chegam com caixas de som e microfone, violão, sax, acordeão, violino ou flauta. No percurso de uma estação preparam o equipamento, tocam e buscam moedas pelos corredores.
A música cruza a vida de baixo e alcança o dia e avenidas: Canon em ré maior, de Pachelbel, Ave María, de Schubert. E, claro, a versão peruana da terrível Silence, de Paul Simon.
domingo, 18 de janeiro de 2009
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