segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Retratos de Madrid

Língua de mariposa

Eis a presença da palavra mais bonita, mais inteira e concisa: callejero. Vem de calle, rua. Adjetivo. Relativo a rua. Encerra tamanha intensidade e impacto em uma só palavra. A pronúncia em Madrid, distinta da galega ou da sulamericana, é /kaie/. Calle, o ca seguido pela i grega, i que levanta a língua até o céu da boca, língua de mariposa levanta vôo e deixa um sulco na palavra, cria relevos com a voz, inventa geografias.

Na cidade onde rua é nome, é qualidade e ação, as pessoas também inventam percursos infinitos para habitar o chão. Callejean, andam de calle em calle. Estão todos nas ruas, apesar dos baixos graus, as pessoas estão todos os dias nas ruas, suas mandíbulas não tremem, seus dentes não se chocam. Estão todas as noites nas ruas, cruzam a madrugada como se estivessem atravessando uma rua larga. Brincam de imitar a lua quando se metem por ruelas espremidas entre paredes e prédios, callejones. Perambulam como filhos das noites. Como filhos das ruas. Corazón callejero.

O
castelhano é leve como uma mariposa.

Por que andam tanto? Buscam seus caminhos, sendas, alguma via de acesso. A quê? Talvez a forma sobre forma, quadrado sobre quadrado dos apartamentos não deixe vazar a hemorragia dos sentimentos. Talvez o sentido não caiba no elevador, talvez tentou atirar-se da terraça. Caiu, estatelou-se. Talvez aqueçam seus corpos frios na caminhada. Ou, mais simples do que isso, talvez procurem de rua em rua, disfarçadamente, a nota de 500 euros que só vemos uma vez na vida e que por descuido alguém deixou cair uma certa tarde em um incerto lugar.

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